04 janeiro 2007

Julgando O Bull Terrier

Raymond Oppenheimer, indiscutivelmente o mais influente criador-juíz de Bull Terriers do Séc.XX, uma vez escreveu:
"A ausência de virtude(s) é
a maior falta de
todas"
Qualquer juiz deverá manter esta afirmação na sua mente sempre que entrar em ringue para começar a julgar as classes de Bull Terrier a seu cargo. O Bull Terrier Club of America (BTCA) encoraja o juiz a recompensar a virtude dos animais que lhe são apresentados, em oposição ao "julgamento de faltas", ou à tentativa de eliminar um animal devido a uma falta facilmente detectável. Com esse fim, o estalão diz claramente que, "Qualquer desvio dos pontos acima mencionados deverá ser considerado como falta, e a seriedade da falta deverá ser proporcional ao seu grau...". Os expositores de Bull Terriers parecem ser demasiado sensíveis à propensão de um juiz não-especialista de eliminar da sua consideração qualquer animal que não apresente uma dentição em tesoura perfeita. A dentição é o exemplo perfeito do "grau da falta", porque a correcta cabeça ovaloide do Bull Terrier pede aquilo que deverá ser impossível; que a mandíbula inferior deva de alguma forma ser capaz de compensar o arco superior do topo do crânio e terminar na requisitada "dentição nivelada ou em tesoura"(1), em oposição ao prognatismo, ou a uma mandíbula estreita, com os dentes caninos inclinados para dentro. O equilíbrio entre essa cabeça linda, e definidora do tipo, e uma dentição saudável e funcional é uma luta interminável quer para criadores quer para juízes, e deve ser cuidadosamente pesada em qualquer decisão. Quando julgo uma classe de Bull Terriers, o olho de criador está sempre presente, na base das minhas decisões, ou seja, a questão "se sinto que um Bull Terrier em particular tem o tipo e virtude para contribuir para o progresso da raça". Porque é a cabeça que melhor define a nossa raça, é nela em que eu concentro as minhas atenções em primeiro lugar. "Começando no início, e ao longo de todo o seu comprimento até à traseira" é uma boa forma de nos orientarmos nas prioridades desta raça.

Juíz especialista do BTCA David Harris examina a cabeça de Ch. Corsaire Chrome Hoss O'Tearock, ROM. Victoria Corse, criadora/proprietária apresenta o animal.


Os Bull Terriers devem ser cães particularmente tridimensionais. Enquanto que uma encantadora silhueta nos pode deixar sem fôlego, deve também haver amplitude, e a sensação de substância e músculo num bullie. Quando pomos as mãos numa cabeça de um Bull Terrier, e nós TEMOS de por as mãos na cabeça para sabermos de facto como é que ela é, especialmente se se tratar de uma cor sólida, ou se branco, com marcações escuras, devemos sentir as nossas palmas "completamente preenchidas dando a impressão de solidez com a superfície isenta de depressões ou fracturas, i.e., com a forma de um ovo." Um perfil com uma curvatura dramática que não possua amplitude e profundidade, também chamada de cabeça de bico-de-tucano, não é de maior valor que uma cabeça grande, gorda com um perfil côncavo, com uma cabeça angulada, com as arcadas supraciliares tão definidas que se assemelham a stop. A cabeça do Bull Terrier deve mostrar um "Bull Terrier" de qualquer perspectiva... os ovos, afinal de contas, não têm ângulos.

Uma expressão e olhos correctos são igualmente vitais para aquela cabeça correcta; tem que lá estar o conjunto de olhos triangulares e oblíquos, em posição elevada, que dão o característico "olhar penetrante" e as orelhas triangulares mesmo no topo da cabeça. Um Bull Terrier com olhos redondos e gentis, ou orelhas de inserção baixa nos lados da cabeça não cumpre com, "atento, determinado e expressão inteligente, cheio de vivacidade..." mas, ao invés, faz lembrar uma vaca tristonha.

Juíz do BTCA Tom Lecki observa atentamente os dentes caninos de Beantown Thunder Wonder, apresentada pelo proprietário/criador John Spurr.



Se um cão com uma particularmente encantadora cabeça e expressão é fornecido por uma dentição incorrecta, a questão coloca-se em graus; quão desviada da perfeição é essa dentição? O estalão Americano pede uma dentição "nivelada ou em tesoura"(1). Eu dou pouca importância a uma dentição prognata, mas que mantenha os incisivos superiores em contacto com os inferiores. Frequentemente referenciada como "tesoura invertida", esta configuração não causa desconforto ao animal ou inconveniência para a saúde do cão e para o seu bem-estar, nem tão pouco ofende a vista a nenhum nível exagerado. Quanto mais os incisivos inferiores se afastarem dos superiores, mais desproporcionada a mandíbula inferior parecerá, e a habilidade do cão de cortar a sua comida será afectada. Muito mais grave, na minha opinião, do que um prognatismo mínimo, é a dentição em tesoura perfeita que só assim o é graças a uma mandíbula inferior exageradamente estreita. Esta mandíbula estreita posiciona os caninos no interior da linha de gengiva e enterra-os contra o duro palato. Ainda que o estalão do Bull Terrier não faça menção dos prémolares, é mesmo assim muito importante que os juízes olhem para trás, na boca. Ambos os caninos inferiores devem ser visíveis, desde a sua base ao topo, e colocados no exterior da mandíbula superior, e os incisivos não devem estar sobrepostos e alinhados com a linha de gengiva.

Independentemente da importância da cabeça e da expressão, um Bull Terrier deverá ser indiscutivelmente um Bull Terrier, ainda que a sua cabeça esteja fora do alcançe da visão. Tendo em mente a importância tridimensional do Bull Terrier, um pescoço forte e arqueado deverá encontrar-se com o corpo nuns ombros que são amplos e achatados, cobertos por um músculo suavemente esculpido. O corpo deve ser torneado, com uma definição visível entre a caixa toráxica e o abdomén, e igualmente bem musculado. A força da extremidade frontal deve ser portada por um dorso curto e suavemente arredondado até uma extremidade traseira poderosa com os músculos das coxas bem desenvolvidos. Não se deixem enganar pelo peso extra, agregado a um esqueleto a que falta um bom osso redondo que possa suportar todo o conjunto. A gordura jamais poderá substituir a verdadeira substância, constituída por músculo trabalhado, sólido e osso redondo.

Como muitas outras raças, também houve um avanço no sentido de se confundir "bom osso" com "mamute". O nosso estalão afirma claramente "sem chegar ao ponto de rusticidade e tosco". Conforme nos afastamos do cão, a imagem geral deverá ser a de um atleta versátil; que possua força, flexibilidade, e um poder explosivo. Todos os componentes de um bom Bull Terrier empacotados numa embalagem de tipo Terrier de 45 Libras, ou numa embalagem de tipo Bull de 75 Libras. Maior não significa necessariamente melhor, e o facto decisivo deverá transpor a nossa preferência pessoal para o tipo em geral, proporção, e equilíbrio do cão em questão. Do mesmo modo, um cão grande com proporções correctas e equilíbrio não deverá ser penalizado pelo seu tamanho. Não existe menção ao peso ou tamanho no estalão do Bull Terrier.

Juíza do Silverwood Franne Berez afasta-se para uma melhor observação de Belbar Sinabar Gladiator, apresentado pela criadora Sandy Belstock.



Ch. Corsaire Chrome Hoss O'Tearock em movimento... Especializada Nacional do BTCA de 2003.


O movimento pode responder a quaisquer questões que ainda permaneçam relativamente às virtudes dos cães em ringue. O movimento do Bull Terrier não avaliado da melhor forma a velocidades elevadas. O movimento deverá ser limpo e paralelo, mas em vez de a trote de corrida de uma raça de Trabalho ou Desporto, cada passo deverá exibir poder e agilidade, com um ar de suprema indiferença às forças da gravidade. O estalão descreve o movimento ideal como "elegante" e "suave". Portanto, não deverá haver quaisquer desigualdades na marcha, nem qualquer indício de restrições. Tanto um Bullie pesado como um extremamente refinado deverão comprometer no seu movimento; um devido ao seu sobrepeso, o outro pela sua falta de potência. Se um cão for apresentado a ritmo de corrida, peçam ao handler que abrande o passo. A velocidade excessiva pode ser uma tentativa de esconder deficiências de potência, e tentar impressionar pela marcha lateral quando à falta de impulsão.

Juíza Franne Berez examina a linha dorsal de Ch. Buoy's TNT at TNG durante o Silverwood Trophy. Apresentado por Jessy Sutton.

Como para qualquer raça, a combinação do tipo e solidez produzirá o Bull Terrier ideal. Confrontados pelo espectro habitual de tamanhos e estilos, os juízes devem perguntar-se a si próprios que animal melhor combina a presença a presença de virtudes e a ausência de faltas. Em que animal recai a qualidade única e distinta de cabeça e a presença que grita "Bull Terrier" (um Bull Terrier não é um cão subtil) enquanto que demonstra a integridade estrutural e movimento atlético?

Como juiz-criador, eu procuro uma expressão correcta. Para mim, um Bull Terrier a quem falte os olhos "pequenos, triangulares e posicionados obliquamente", falta-lhe tipo, e como eu sei o quão difícil é produzir consistentemente aquela expressão especial. Essa é uma virtude que eu muito sobrevalorizo, tal como premeio uma correcta linha dorsal e frente. Evitem o cão comum, vulgar, e o animal cujas deficiências de construção e forma parecem limitar as suas capacidades funcionais. Recompensem o Bull Terrier que demonstra as suas virtudes de tipo e estrutura num conjunto que exige a nossa atenção, e cuja a confiança, e temperamento extrovertido e seguro reflictam o seu equilíbrio temperamental.

Exposição Futurity do BTCA, Outubro de 2003. O Juíz Tom Lecki observa frontalmente a expressão de D-Bar Mr. Peponita, apresentado pelos seus proprietários James e Kay Davis e criada por Michal Docker. Quer o Tom, quer Michal desde então deixaram-nos, partindo para algures onde, de certo, se rodearam dos seus mais amados Bullies. Eu sei que ambos têm amor suficiente para partilhar com os nossos, também.


Os Bull Terrier são uma raça essencialmente para handlers-donos. Um fardo adicional que se coloca ao juiz é a capacidade de ver para lá das deficiências de apresentação até às virtudes do cão. Pode ser exasperante observar um handler inexperiente a agitar vigorosamente um engodo, a transportar erradamente a trela, e tal geralmente atrapalha a apresentação... e o cão. Contudo, como cada vez mais os criadores de Bull Terrier encorajam os proprietários dos seus cachorros a se aventurarem no mundo das exposições, é plenamente satisfatório ver os olhos de um novato iluminarem-se e o peito inchar-se de orgulho mesmo quando alcançam vitórias de pouca expressão no ringue 'all-breed'. É igualmente gratificante ouvir, "O juiz foi TÃO paciente comigo; Estava bastante receoso de não ser capaz de valorizar o meu cão, mas ele fez-me sentir como se me tivesse portado muito bem!" Esta é, na realidade, uma citação, feita por alguém que se apresentou pela primeira vem em ringue, sob um juiz 'all-rounder', e criador de Airedales, Charlie Foley. Este "novato" e o seu Bull Terrier terminaram um campeonato, com o cão sempre apresentado por ele, o proprietário, graças ao encorajamento que receberam, e as suas capacidades melhoraram notoriamente com a experiência. As virtudes de um bom cão devem ser visíveis e discerníveis sob qualquer circunstância, apesar de o desrespeito pelos procedimentos de ringue e o seu protocolo não dever ser recompensado. Vejam para além de quem apresenta o cão, na ponta da trela, e foquem-se no que vos é apresentado, mesmo que essa apresentação peque por falta de "brilho".

Uma última palavra... em muitas raças a cor e as marcações são componentes críticos do tipo. No Bull Terrier, existem na realidade apenas quatro factores relativamente à cor. Pela sua ordem de importância eles são:

A primeira é uma potencial desqualificação para os Bull Terriers de cor. "Qualquer cão que seja predominantemente branco.", é uma desqualificação obrigatória (2). Existem animais que visivelmente se encontram na "fronteira" relativamente à percentagem de pelagem branca. Contudo, excepto se um juiz realmente optar por desqualificar um cão por apresentar demasiado branco, a quantidade e localização dessas marcações brancas são irrelevantes para a sua qualidade e deverão ser esquecidas.

Aunty Joan of Caliber, foto por W. Lambert.

"Predominantemente branca" ou predominantemente black-brindle? Você decide...



A segunda é uma falta grave na variedade Branca(2). O nosso estalão diz:

"A COR é branca apesar das marcações na cabeça do cão serem permitidas. Quaisquer marcações em qualquer outro local deverão ser severamente penalizadas." Um Bull Terrier que possua marcações coloridas abaixo da 3ª vértebra cervical, no pescoço ou no corpo, deve ser penalizado por essa marcação. Contudo, um Bull Terrier de virtudes evidentes com uma malha de cor não deverá ser negligenciado em favor de um cão medíocre e branco imaculado.

Jazmine aos 7 meses, foto por Linda Woodruff
Marcações erradas na base da cauda são as mais comuns, apesar de poderem surgir em qualquer local.



A terceira é a questão da cor "castanha". Não existe qualquer menção ao Bull Terrier de pigmentação fígado no estalão da raça. Contudo, é importante notar que o estalão para ambas as variedades(4) requer um nariz NEGRO e olhos "tão escuros quanto possível". Um Bull Terrier de pigmentação fígado, quer seja branco ou de cor, terá olhos castanho-claro ou amarelos, e o pigmento do nariz será invariavelmente castanho. Portanto, esse cão deve ser penalizado pelo seu desvio do estalão relativamente ao nariz e olhos, apesar de, novamente, a cor não eliminar da consideração um Bull Terrier com significativas virtudes. Lembrem-se contudo que os olhos AZUIS são desqualificativos em ambas as variedades.

"Mojo", foto: Chris Chisholm

Cão tigrado vermelho-fígado, com pigmentação castanha incompleta do nariz e olhos claros


A quarta menção de cor raramente surge à consideração, uma vez que se refere à definição da frase "Todas as outras coisas sendo iguais...", uma situação tão rara que, praticamente, não ocorre. Nesse caso, se alguma vez for levado à consideração, o estalão especifica que "o brindle é a cor preferida". O factor brindle é dominante no Bull Terrier, e para produzir cachorros brindle, pelo menos um dos pais tem que ser brindle. Sem o esforço consciente para manter a presença do factor brindle, a raça corre o risco de o perder definitivamente. Eu pessoalmente ficaria encantada se tivesse uma classe de Bull Terriers Coloridos com uma profundidade de qualidade tão uniforme que tivesse a necessidade de recorrer a esta distinção do estalão para colocar um brindle em primeiro lugar.

"Merlin", foto: Gail Thomson

Um sólido brindle-mogno clássico, Ch. Brigadoon Believes in Magic. Os sólidos são muito valiosos para um programa de criação mas podem ser lamentavelmente subestimados no ringue de exposição por um juiz inexperiente. Os verdadeiros sólidos não produzem cachorros brancos.

Notas:

(1) Estalão do BTCA, seguido pelo AKC. Tanto o estalão do KC, como o da FCI somente admitem a dentição em tesoura, penalizando uma dentição nivelada, tal como o prognatismo.

(2) Comum aos 3 estalões (AKC-BTCA, KC-BTC e FCI)

(3) Independentemente das variedades Standard e Miniatura, tanto o AKC como o KC consideram o Bull Terrier de cor como variedade independente do Bull Terrier branco, no que a julgamento de ringue diz respeito, competindo estes separados uns dos outros. Nos países sob a égide da FCI, como Portugal, ambas as variedades são apresentadas e competem conjuntamente.

"Judging the Bull Terrier", originalmente escrito por Victoria Corse (Corsaire Bull Terriers - EUA) e publicado na revista "Just Terriers", no Outono de 2003. Revisto em Novembro de 2005. Traduzido, adaptado e anotado por Sérgio Tavares, com a autorização expressa da autora. Fotos retiradas de http:\\www.corsairebullterriers.com/JudgingBTs.html sob autorização.

Sem comentários: